segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Só quando estamos felizes somos capazes de olhar para nossa tristeza...



(por favor, não deixem de acessar o link, queria ter colocado o víedo aqui, mas não soube... ignorância internética, perdão).


Paloma Negra
Chavela Vargas
Composição: Indisponível

Ya me canso de llorar y no amanece
Ya no sé si maldecirte o por ti rezar
Tengo miedo de buscarte y de encontrarte
Donde me aseguran mis amigos que te vas
Hay momentos en que quisiera mejor rajarme
Y arrancarme ya los clavos de mi penar
Pero mis ojos se mueren si mirar tus ojos
Y mi cariño con la aurora te vuelve a esperar

Y aggaraste por tu cuenta la parranda
Paloma negra paloma negra dónde, dónde andarás?
Ya no jueges con mi honra parrandera
Si tus caricias han de ser mías, de nadie mas

Y aunque te amo con locura ya no vuelves
Paloma negra eres la reja de un penar
Quiero ser libre vivir mi vida con quien yo quiera
Dios dame fuerza que me estoy muriendo por irla a buscar

Y agarraste por tu cuenta las parrandas


terça-feira, 26 de agosto de 2008

A obra de Silvia






Para tecer o tecido do próprio corpo, Sílvia tira de si mesma a fôrma. Tira do seu corpo, de sua alma, um duplo, para vislumbrá-lo de fora, depois o mutila, dilacera. Em seguida o veste com tecido nobre, também desconstruído, rasgado, queimado. A sua linguagem mantém a teia, o tecido. Outra vez desfigurado e reconfigurado. A poética da artista não é um ato criativo isolado, antes, se conecta a outros corpos, sentires femininos. O corpo na hipermodernidade se reveste das cobranças impostas pela mídia e pela excessiva busca de uma perfeição inatingível. Nessa estética, os corpos devem se assemelhar, porém as muitas dores da alma se diferenciam. Sílvia traz essa discussão: expõe o corpo, cujo tecido é formado pelas suas dores e alegrias. A força da imagem ressoa nos corpos tão impregnados desses sentires. Os braços e mãos arrancados podem dizer de uma dificuldade de ação, uma anestesia diante de tudo, todavia a transparência da resina deixa entrever veios, fios, embaixo de uma pele delicada e tênue. No labirinto, a tecelã Ariadne maneja o fio que conduz à saída, o fio da vida. Ela conhece o segredo. Ela sabe a saída. E conduz Teseu da sombra à luz. Pelo amor, ela orienta para a luz. Ariadne é psicopompa. O corpo simulacro de Sílvia é psicopompo, ele traz luzes às perdas, aos amores, às reconstruções. A costura, a linha, o fio, o refazer. A linha alinha e conduz. Penélope também usou o fio na sua longa espera. Através da costura, o corpo de Silvia se refaz, os pedaços são reunidos pelo fio delicado. A inteireza se mantém, mas não sem cicatrizes.
O trabalho dessa artista de construções delicadas e questionamentos nem tanto, pode ser visto no SESC, em Chapecó, juntamente com o texto que produzi a partir do convite carinhoso dela. À Sílvia, minha crescente admiração e reitero minha confiança na força expressiva do seu trabalho. Obrigada pelo presente.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

atentendo pedidos

Bom, atendendo a pedidos de, aliás e talvez, minha única leitora (risos), vou fazer uma postagem.



Já afirmei no post passado, que um blog é o diário de uma vida sem fatos e, te lo digo yo, que minha vida anda tão repleta de fatos e tais tão inusitados, que não me sobra tempo para ordená-los na racionalidade apolínea que exige a escrita. Não caberia citá-los, tampouco consigo ordená-los, analisá-los, no exercício de dissecação que caberia ao entendimento no encadear da vida. Se fatos são experiências? Fato. Mas se tais se reverterão em compreensão e mudança de atitudes, há que se observar. Por hora sigo aqui... nesse roldão de acontecimentos, bons, péssimos, maravilhosos, deseperadores, inimaginados, como deve ser o correr de uma existência. Já pensei que fosse a hora de deixar o blog, não sei porque ainda não o fiz. Talvez sinta necessidade de expiar alguma coisa, ou encontrar na escrita a identidade final que tanto busco, se é que tal existe. Como diria Vanessa, há que se despir delas, mas eu ainda confio que me torne alguma coisa, ainda que seja ilusão. Talvez consiga, a partir daqui, ampliar o círculo e me perceber melhor nisso tudo. Fico aguardando os depreendimentos dos fatos. Fáticos, fatídicos, factuais. O que fica??

sábado, 19 de abril de 2008

Pessoa


Fernando como Bernardo Soares já tinha razão, e um blog é, realmente, "o diário de uma vida sem fatos".

quarta-feira, 19 de março de 2008

Lidando com a raiva, rispidez e outros bichos...

O urso da meia-lua[1]


Era uma vez uma jovem mulher que vivia numa perfumada floresta de pinheiros. Seu marido esteve fora, lutando na guerra, muitos anos. Quando ele afinal foi liberado, voltou para casa com o pior dos humores. Ele se recusou a entrar na casa pois havia se acostumado a dormir nas pedras. Ele só queira ficar só e permanecia na floresta tanto de dia quanto à noite.
A jovem esposa ficou tão feliz quando soube que o marido estava afinal voltando para casa. Ela cozinhou e fez compras, e fez compras e cozinhou. Preparou pratos e mais pratos, tigelas e mais tigelas, de delicioso queijo branco de soja, três tipos de peixe, três tipos de algas, arroz salpicado com pimenta vermelha e belos camarões frios, grandes e alaranjados.
Com um tímido sorriso ela levou os alimentos até o bosque e se ajoelhou ao lado do marido esgotado pela guerra, oferecendo-lhe a bela refeição que havia preparado. No entanto, ele se pôs de pé e chutou as travessas de modo que o queijo de soja caiu, os peixes saltaram no ar, as algas e o arroz caíram na terra e os grandes camarões alaranjados rolaram pelo caminho abaixo.
Deixe-me em paz! - rugiu ele, voltando-lhe as costas. Ele estava tão furioso que ela sentiu medo. E afinal, em desespero, ela foi procurar a gruta da curandeira que morava fora da aldeia.
- Meu marido foi ferido gravemente na guerra - disse a esposa. - ele sofre de uma raiva permanente e não come nada. Só quer ficar ao ar livre e não se dispõe a voltar a viver comigo. A senhora não pode me dar uma poção que faça com que ele volte a ser carinhoso e gentil?
- Isso eu posso fazer por você - asseverou-lhe a curandeira. - Mas vou precisar de um ingrediente especial. Infelizmente, acabou todo meu pêlo de urso de meia-lua. Por isso, você deve subir a montanha, encontrar urso negro e me trazer um único pêlo da meia-lua que ele tem no pescoço. Depois, eu lhe darei o que você precisa, e a vida voltará a ser boa.
Algumas mulheres teriam se sentido desencorajadas com essa tarefa. Algumas teriam considerado que todo esse esforço era impossível. Mas não ela, pois ela era uma mulher que amava.
- Ah! Como lhe sou grata! É tão bom saber que existe uma solução.
- E assim ela se preparou para a viagem e na manhã seguinte partiu para a montanha.
- Arigato zaishö - dizia ela, o que é uma forma de cumprimentar a montanha e lhe dizer “Obrigada por me deixar escalar seu corpo”.
Ela se embrenhou nos contrafortes, onde havia rochas semelhantes a grandes pães de fôrma. Subiu até um platô coberto de mata.As árvores tinham galhos longos e caídos e folhas que se pareciam com estrelas.
- Arigato zaishö - entoou. Era uma forma de agradecer as árvores por erguerem seus cabelos para que ela pudesse passar por baixo. E assim ela conseguiu atravessar a floresta e começou a subir de novo.
Agora estava mais difícil. A montanha tinha flores espinhosas que se prendiam na barra do seu quimono e rochas que arranhavam suas mãos delicadas. Estranhos pássaros escuros saíram voando na sua direção no crepúsculo, deixando-a assustada. Ela sabia que eles eram os muen-botoke, espíritos dos mortos que não tinham parentes. Ela entoou orações para eles.
- Vou ser sua parenta. Vou dar-lhes descanso.
Ela prosseguiu subindo pois era uma mulher que amava. Subiu até ver neve no pico da montanha. Logo seus pés estavam frios e molhados, e ela continuava a escalar, pois era uma mulher que amava. Começou uma tempestade, e a neve penetrava direto nos seus olhos e fundo nas suas orelhas. Mesmo sem ver, ela continuava a subir.
- Arigato zaishö - cantou a mulher quando a nevasca parou, para agradecer aos ventos por terem parado de cegá-la.
Ela procurou abrigo numa caverna rasa e mal conseguiu lugar para seu corpo inteiro. Embora tivesse uma bolsa cheia de alimentos, ela mão comeu, mas se cobriu com folhas e adormeceu. Pela manhã, o ar estava calmo e plantinhas verdes chegavam a atravessar aqui e acolá.
- Ah - pensou ela. - Agora, ao urso da meia-lua.
Ela procurou o dia inteiro e quase ao anoitecer encontrou grossos cordões de bosta. E não precisou procurar mais, pois um gigantesco urso negro passou pesadamente pela neve, deixando profundas marcas de patas e garras. O urso da meia-lua deu um rugido feroz e entrou em sua toca. A mulher enfiou a mão na trouxa e colocou numa tigela a comida que trouxera. Ela colocou a tigela do lado de fora da toca e voltou correndo para seu esconderijo. O urso sentiu o cheiro da comida e saiu cambaleando da toca, rugindo tão alto que pequenas pedras se soltaram do lugar. O urso fez um círculo em volta da comida de uma certa distância, farejou o vento muitas e depois comeu tudo de uma só vez; O enorme urso foi andando de ré e sumiu dentro de sua toca.
Na noite seguinte, a mulher agiu da mesma forma, servindo o alimento na tigela, mas dessa vez não voltou para seu esconderijo, recuando apenas metade do caminho. O urso sentiu o cheiro da comida, saiu pesadamente da toca, rugiu para abalar os céus e as estrelas, deu uma volta, farejou o ar com extremo cuidado, mas afinal engoliu a comida e voltou para a toca. Isso continuou por muitas noites até que numa noite escura a mulher sentiu ter coragem suficiente para esperar ainda mais perto da toca do urso.
Ela pôs a comida na tigela do lado de fora e ficou esperando junto à abertura. Quando o urso sentiu o cheiro e saiu, ele viu não só a comida mas também um par de pequenos pés humanos. O urso virou a cabeça de lado e rugiu tão alto que fez os ossos do corpo da mulher zumbirem.
A mulher tremia, mas não recuava. O urso ergueu nas patas traseiras, estalou as mandíbulas e rugiu tanto que a mulher pôde ver vem o céu vermelho e marrom da sua boca. Mesmo assim, ela não saiu correndo. O urso rugiu ainda mais e estendeu seus braços como se quisesse agarrá-la, com suas dez garras suspensas como dez facas sobre sua cabeça. A mulher tremia como uma folha ao vento, mas permaneceu onde estava.
- Por favor, meu querido urso - implorou ela. - Por favor, vim toda essa distância em busca de uma cura para meu marido. - O urso voltou as patas dianteiras para a terra fazendo voar a neve e olhou diretamente no rosto assustado da mulher. Por um instante, ela teve a impressão de ver cordilheiras inteiras, vales, rios e aldeias refletidos nos olhos vermelhíssimos do urso. Uma paz profunda caiu sobre ela, e seus tremores passaram.
- Por favor, urso querido, eu venho lhe trazendo alimento todas essas noites. Será que eu podia ficar com um dos pêlos da meia-lua do seu pescoço? - O urso parou e pensou, essa mulherzinha seria fácil de devorar. No entanto, ele de repente se sentiu cheio de pena dela.
- É verdade - disse o urso da meia-lua, sem afastar as garras da sua cabeça. - Você foi boa para mim. Pode ficar com um dos meus pêlos. Mas arranque-o rápido, vá embora e volte para sua gente.
O urso ergueu seu enorme focinho para que aparecesse a meia-lua branca do seu pescoço, e a mulher viu ali a forte pulsação do seu coração. A mulher pôs uma das mãos no pescoço do urso, e com a outra segurou um único pêlo branco e lustroso. Rapidamente ela o arrancou. O urso recuou e gritou como se estivesse ferido. E essa dor assumiu a forma de bufos irritados.
- Ah, obrigada, urso da meia-lua, muitíssimo obrigada. - A mulher se inclinou em reverência e voltou a se inclinar. Mas o urso rosnou e avançou um passo. Ele rugiu para a mulher com palavras que ela não entendia e, no entanto, palavras que de algum modo havia conhecido toda a vida. Ela se voltou e correu montanha abaixo com a maior velocidade possível. Ela passou correndo debaixo das árvores de folhas com formato de estrelas. E o tempo todo ela agradecia às árvores por erguerem seus galhos para ela passar. Ela veio tropeçando pelas pedras que pareciam grandes pães de fôrma, sempre agradecendo à montanha por deixar que ela escalasse seu corpo.
Embora suas roupas estivessem esfarrapadas, seu cabelo desalinhado, seu rosto sujo, ela desceu a escada de pedra que levava até a aldeia, seguiu pela estrada de terra atravessando a cidade até o outro lado e entrou na cabana onde a curandeira estava sentada cuidando do fogo.
- Olhe! Olhe! Consegui, encontrei, conquistei um pêlo do urso da meia-lua! - gritou a jovem mulher.
- Que bom - disse a curandeira com um sorriso. Ela examinou a mulher atentamente, pegou o pêlo de um branco puríssimo e o segurou perto da luz. Ela sopesou o longo pêlo com uma das mãos e o mediu com um dedo e exclamou: - É! Este é um autêntico pêlo do urso da meia-lua. - De repente, porém, ela se voltou e lançou o pêlo no meio do fogo, onde ele estalou, pipocou e se consumiu numa bela chama laranja.
- Não - gritou a mulher. - O que a senhora fez?
- Fique calma. Está certo. Tudo está bem - disse a curandeira. - Você se lembra de cada passo que deu para conquistar a confiança do urso da meia-lua? Você se lembra do que viu, do que ouviu e do que sentiu?
- Lembro - disse a mulher. - Lembro-me muito bem.
- Então, minha filha - disse a velha curandeira com um sorriso meigo -, volte por favor para casa com seus novos conhecimentos e proceda mesma forma com seu marido.



[1] História retirada do livro “Mulheres que correm com os lobos” de Clarissa p. Estés.